Contos Europeus, parte 5: Que seja eterno enquanto dure
Espalhando meu canto, rindo meu riso, sem derramar nenhum pranto, no caso
Agora sim, o final da primeira saga de Contos Europeus. Se você chegou até aqui e não leu as outras partes dela, tá tudo bem, mas eu te recomendo fortemente que leia os outros quatro textos, que coloco os links aqui abaixo. Se você estava acompanhando e notou que eu parei do nada, tenho duas coisas pra te falar: 1 - eu comecei a trabalhar muito e fiquei com pouco tempo pra escrever (ou talvez eu só estivesse cansado, mesmo); 2 - esse texto já estava pronto desde abril/2022 e parado nos drafts.
Parte 1: O sonho, o acaso e o convite
Parte 3: Domingando em Bruxelas
Parte 4: Karlův Most, trdelník e Malostranská
Leu?
Então, agora dá o play em All Around the World, do Oasis, que é a música mais longa deles, pra ler o textão que fecha essa saga maravilhosa. Čau!
O visitante insistente
No meu segundo dia em Praga, eu já tinha algumas tarefas: reuniões na sede do Socialbakers na parte da tarde e uma visita a um certo cara na parte da manhã. Como contextualizei nos capítulos anteriores, eu estava trabalhando, na época, em uma firma de chocolates e, ao contar pro pessoal que ia pra Praga, fiquei sabendo de um tcheco chamado Martín que tinha a maior coleção de embalagens de chocolate do mundo.
Pelo site do dito cujo, tentei contato por diversas vezes. Mandei vários e-mails diferentes, me apresentei, disse que poderia contribuir com a coleção dele levando embalagens do Brasil e perguntei se ele me daria uma entrevista - tínhamos uma revista (vendida nas lojas da marca) sobre o universo do chocolate. Tive um total de zero respostas. Ainda assim, estava obstinado a tentar passar no endereço que estava no site. E eu realmente ia levar um kit de produtos pro Martín, mas fiz o favor de esquecer. De qualquer forma, fui cumprir minha missão de visitá-lo.
Tomei café no hotel, baixei o mapa de Praga para ter o caminho que deveria fazer offline no celular. Vi em qual estação de metrô precisava descer e bora. No dia anterior, eu tinha comprado um bilhete que valia apenas uma viagem, mas, como andaria bastante de metrô nos próximos dias, comprei um novo bilhete, que dava direito a três dias de viagens ilimitadas. Poderia passar o dia todo indo e voltando, ao contrário do que acontecera na Bélgica, dias atrás.
O metrô de Praga era bem diferente de Paris e de Bruxelas. Eram apenas três linhas e a diferença mais marcante é que o ingresso nas estações era completamente à base de confiança. Não existe catraca, só um leitor que imprime o dia e a hora em que você entrou e usou o tíquete para viajar. Era um dia útil, então o transporte não estava lá muito vazio. Viajei por nove estações até chegar na última da linha verde, chamada Depo Hostivař. Ao sair pra rua, abri meu mapa, vi que estava bem longe de onde deveria e me dei conta de que estava tão entretido com os nomes das estações anunciados pelo sistema de som que passei direto de onde deveria ter descido.
Voltei para o metrô e desci em Strašnická, que era o meu destino original. Os endereços em tcheco não têm uma marcação clara de complemento, como em português (Av Paulista, 1500, apto 35) e eu descobri isso da pior maneira possível: andei até o endereço do Martín e me deparei com um prédio, sem portaria. Fiz o que qualquer pessoa sensata faria: toquei o interfone. Por incrível que pareça, o cara atendeu. Eu disse que estava tentando contato com ele havia muitos dias, era do Brasil e ele não me respondia. Por mais incrível ainda que pareça, ele abriu o portão e eu subi até o apartamento dele, que não tinha nada de incrível e era em uma região afastada do centro de Praga.
Martín disse alguma coisa em tcheco para sua esposa e eu só entendi Brasil. Na sequência, me pediu desculpas, dizendo que estava muito ocupado nos últimos dias e que não conseguiu me responder. Ainda assim, me mostrou uma pasta de várias da sua coleção com embalagens brasileiras. Notei que não tinha nada de museu ali: era só um escritório bagunçado, com muitas pastas com embalagens do mundo todo. Ele não queria falar muito e não me deixou fotografar nada. Desisti da entrevista, agradeci e saí fora com uma gigantesca cara de WTF. Eu saí do Brasil, cheguei na casa do cara, expliquei quem eu era e o que queria via interfone, entrei e saí depois de cerca de 10 minutos. O famoso rolê aleatório.
Voltei pro metrô e fui conhecer o lado da cidade que ainda não tinha ido, a cidade nova, Nové Město. Lá, um lugar menos charmoso que a cidade velha, me serviu para almoçar - comi um schnitzel delicioso em um restaurante minúsculo - e conhecer o Dancing House1, Tančicí dům, que é uma dupla de edifícios curiosa: uma torre retorcida de vidro, encaixada em um prédio de concreto. Voltei pro hotel, peguei minha mochila e fui pro escritório do Socialbakers, pra conhecer as pessoas que ainda não conhecia, encontrar alguns brasileiros e fazer reuniões. No mesmo prédio, ficava o auditório onde seria o main event, o dia dos keynotes principais.
Uma hóstia gigante de avelã
Um dia antes (e um depois também), uma série de eventos menores abraçava o Engage Prague: eram pequenos workshops para, em média, 20 pessoas sobre os mais variados temas relacionados a comunicação, marketing digital e redes sociais. Essas sessões eram conduzidas por executivos de marcas de diversas partes do mundo, para pessoas também de diversas partes do mundo. Os treinamentos eram divididos, basicamente, em duas etapas: uma apresentação bem explicativa e didática sobre como a marca ou agência tinha desenvolvido algum case e uma dinâmica hands-on, em que os participantes eram divididos em grupos e deveriam desenvolver seus próprios pitches e apresentar pra galera.
O condutor de cada workshop, juntamente com alguém do Socialbakers que estava apoiando, selecionava os melhores cases e os premiavam. A parte mais legal disso tudo era desenvolver algo sobre um tema que não sabíamos qual era com pessoas que nunca havíamos visto na vida, de países dos mais diferentes o possível. Dos quatro workshops que participei, fiquei em grupos com gente de Inglaterra, Itália, Turquia, Polônia, Egito, República Tcheca, Rússia, França e Grécia. Fora isso, nos coffee breaks, conversei também com gente de Luxemburgo, Alemanha, Holanda, Argentina, Estados Unidos e das Ilhas Maurício (!).
Das quatro participações que tive, meu time venceu duas e ficou em segundo lugar em uma delas. O único workshop em que não estive no pódio foi o único (dos que participei) que teve prêmios da marca: a colorida marca espanhola de roupas, Desigual, premiou os vencedores com coloridas (claro) capas de notebook. Além disso, dois outros prêmios completavam o kit para os vencedores neste workshop e estavam presentes também nos demais. Um chocolate tcheco chamado Fidorka, que tinha o formato de uma medalha, e um wafer que parecia uma tortilla, tinha o tamanho de uma tortilla, mas tinha sabor doce, chamado Kolonáda.
Ambos os produtos são da marca Opavia, que faz parte da gigantesca Mondelez. O Kolonáda, inclusive, parecia um negócio altamente sem graça. Algo como uma hóstia gigante, mas tinha um delicioso sabor avelã e era impossível parar de comer. Nenhum dos brasileiros que ganhou aquilo tinha ideia do que era. Mais do que isso, todo mundo só comeu ao pousar em terra brasilis e, claro, bateu o arrependimento de não ter comprado mais nenhum antes de voltar pra casa.
Aces High - grandes marcas que inspiram
No dia do meio, não haviam workshops e sessões hands-on, mas keynotes com a galera mais importante do rolê. O ano era 2015 e eram os primeiros passos da expressão "Datadriven marketing", ou seja, o marketing a base de dados. O que o Socialbakers, como plataforma de gestão e análise de dados de redes sociais, pregava era justamente que as decisões de marketing e comunicação deveriam ser tomadas com base em dados e não em achismos e crenças. O que parecia revolucionário na Europa em 2015, ainda é distante pra muita gente em 2022, por incrível que pareça.
Executivos de marcas como Lego, Adidas, Desigual, Lamborghini, Disney, Emirates, KLM e Google subiram ao palco pra contar cases dos mais diversos sobre como incorporar dados aos seus processos decisórios e como fazer com que a criatividade aflorasse e contribuísse para que os resultados fossem excepcionais. Dentre causos e coisas mais legais que ouvi naquele dia, ressalto alguns ensinamentos e/ou curiosidades:
- Na apresentação da Lego, o então diretor de redes sociais, Lars Silberbauer Andersen (hoje no Comitê Olímpico Internacional) colocou na tela três pontos a serem focados na criação de conteúdo para marcas: necessidades do consumidor, criação de valor e tempo real (agilidade, na verdade). Passaram-se sete anos desde então e, bem, essas três coisas continuam sendo bem importantes
- Na apresentação da Lamborghini, o então diretor de marketing digital, Roberto Ciacci (hoje dá aula na Universidade de Bologna e é trabalha na Robintour Travel Group) revelou que, por ser uma marca de altíssimo luxo e aspiracional ao extremo, a Lamborghini nunca precisou colocar um centavo em mídia nas redes sociais (à época, pelo menos) - guarde essa informação. Além disso, o engajamento nos conteúdos da marca eram 100% positivos, afinal, 99,9% dos fãs da Lamborghini nas redes não possuíam um produto deles - um carro. Se, por ventura, fossem donos de uma Aventador, uma Countach ou uma Murciélago, não seria via SAC no Facebook que eles reclamariam caso tivessem tido algum probleminha.
- Na apresentação da KLM, o então gerente de redes sociais, Gert wim ter Haar (hoje na ANWB) contou que a empresa contava com mais de 50 páginas locais para atendimento a seus consumidores ao redor do mundo e todas com serviço 24/7. Mas, mais do que isso, ele apresentou que isso era apenas o básico para uma marca de serviços e apresentou a mundialmente famosíssima campanha de achados e perdidos, estrelada pelo simpático beagle Sherlock. Por mais que fosse um vídeo feito para viralizar (e que viralizou), a intenção, ali, era mostrar a gigantesca preocupação da companhia aérea em recuperar itens perdidos por seus clientes.
Aparecendo na foto
Ao final de um dia de tanto aprendizado, viria o momento que foi o motivo de eu ter sido convidado para estar ali. Tudo se resumiria àquela noite e se ela não fosse existir, nenhum dos últimos 4 textos (e nem esse) teria existido. Três premiações fechariam a noite do dia principal do Engage Prague 2015: Socially Devoted - as marcas mais eficientes em atendimento ao consumidor pelas redes sociais; Smart Storytellers - as marcas com melhor equilíbrio entre bom conteúdo, investimento em mídia, engajamento e resultados; e Social Best Brand - a melhor marca do ano em redes sociais. Certamente o nome da última categoria não era este brega, mas eu não lembro também qual era.
Primeiro, foram chamados ao palco os concorrentes da categoria Socially Devoted: 11 marcas do mundo inteiro, empresas de serviços, em sua gigantesca maioria. Dentre as brasileiras, lá estavam Latam (que ainda era TAM), Banco do Brasil e Bradesco, mas quem levou o caneco foi a KLM. Depois, para as Smart Storytellers, eram apenas dois concorrentes. Um eu sabia que era a Cacau Show, que eu estava ali representando, e eu tinha certeza que não iria ganhar. Afinal, eu não estava no palco palestrando (risos). Fui chamado, subi e peguei a minha placa de segundo lugar, em um momento mais do que inesquecível na minha carreira, das mãos da influenciadora Bethany Mota - que, na época, devia ter um pouco menos que isso, mas hoje tem quase 5 milhões de seguidores.
Na sequência, subiu ao palco o vencedor. O grande Smart Storyteller da noite. Roberto Ciacci subiu ao palco novamente representando a tal de Lamborghini, com sua estratégia de zero investimento em mídia. Eu, competitivo que sou, achei o máximo ter ficado atrás apenas dessa, caham, marca italiana de automóveis de altíssimo luxo. Ah, e, claro, a vencedora da categoria master-blaster foi a Lego.
Minha felicidade no happy hour pós-premiação foi tamanha, que eu quis tirar uma foto com o Roberto, que foi muito gente boa e me parabenizou por estar lá, vindo do Brasil, para receber um prêmio tão importante no mundo do marketing digital. Era uma abundância de pivo (cerveja, em tcheco) Pilsner Urquell, mas eu já havia esgotado minha cota de álcool na passagem pela Bélgica, então fui embora do rolê. A pé e depois de metrô, na noite de Praga, carregando uma mochila nas costas e uma placa gigantesca nas mãos, extremamente feliz por tudo que havia acontecido ali.
Completando o jeito tarantinesco de contar a história não tão linearmente dessa vez, no dia seguinte, viriam mais workshops, que já comentei antes e, claro, não vou falar outra vez pra não estender o textão. Chega, então, o final da minha primeira viagem para a terra da cerveja, dos acentos circunflexos ao contrário e da hóstia gigante mais gostosa do planeta. Tive um dia e meio pra conhecer o terreno, me apaixonei (claro) e imortal que foi, posto que é chama, o amor por Praga aconteceu em tempo real, foi vivido da forma mais intensa que consegui e foi infinito enquanto durou, presencialmente, mas seguiu presente. Tanto que voltei para o Brasil mal podendo esperar pela hora de ir pra Praga de novo, o que, de fato, aconteceu, em 2018, para o mesmo Engage Prague. Mas isso é papo pra segunda saga dos Contos Europeus, que chegará a você em breve.
Finalmente, posso dizer que demorei sete anos (e alguns meses) pra concluir o que eu queria ter feito ali, desde o momento em que eu aguardava pelo embarque para a ida pra Europa, em Guarulhos, e que retrato na parte um da saga, mas estou muito feliz com o resultado e com todos os detalhes que aqui estão. Inclusive, essa primeira saga foi tão boa, que a minha mochila resolveu ficar em Paris na volta.
O voo da Czech Airlines atrasou (claro), eu fiz uma conexão de menos de meia hora no Charles de Gaulle e não deu tempo da minha mala correr comigo pra embarcar pro Brasil. Cheguei em casa com minha mochila, uma sacola do freeshop e, claro, minha gigantesca placa de Smart Storyteller. A danada da mala foi entregue pela Air France na minha casa no dia seguinte e a placa física ficou lá na firma, mas psicologicamente tá aqui, tatuada na alma e no coração.
Beijos e luz e até a próxima,
Luigi"
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Outro apelido da construção é Ginger and Fred, em alusão a Fred Astaire e Ginger Rogers, um dos casais de bailarinos mais famosos da história do cinema.