Contos Europeus, parte 3: domingando em Bruxelas
Trappist Westvleteren - repita isso rapidamente para seus amigos
Na parte 1 eu contei que tinha o sonho de viajar pela Europa de trem e na parte 2 falei sobre as aulas de francês. Agora, a parte 3 tem uma viagem de trem, saindo da Gare du Nord, que tanto aparecia nas aulas, rumo a Bruxelas, na Bélgica. Dá o play em Evangelina Mascardi tocando Bach no glorioso lute de 14 cordas e bon voyage!
Como decepcionar Gilli?
Depois de ter passado a manhã passeando por lojas de chocolate e empórios parisienses, peguei um táxi em frente ao hotel, rumo a ela, a Gare du Nord. O motorista, de semelhança física impressionante com o ex-jogador de basquete Manu Ginobili, se chamava M. Boutayeb - não sei se o M era de monsieur ou se era do nome dele mesmo, mas era assim que estava no recibo que ele me escreveu. Mal sabia eu que o simpático motorista de origem argelina, seria o último a me elogiar por falar bem francês na Europa.
Cheguei com mais antecedência do que precisava e, com o celular também com menos bateria do que eu precisava, a solução foi utilizar um carregador movido a pedaladas. Entrei no trem de alta velocidade da Thalys e, cansado que estava, dormi durante a viagem inteira, que durou uma hora e cinco minutos. Como pode ver, não foi beeem uma viagem pela Europa de trem e não dá pra falar que eu vivi plenamente a experiência que desejava/sonhava, mas tudo bem.
O hotel em que eu estava era muito próximo a Grand Place, a praça principal da cidade. Eu saí da estação num táxi já sabendo do meu destino: estava com fome, precisava jantar e o destino escolhido foi o Hard Rock Café, que era outro lugar-sonho. Deixei as coisas no quarto depois de ter grandes dificuldades pra entender o francês do menino da recepção que, impaciente, resolveu falar inglês comigo. Saí, vi uma bandinha tocando na rua, diversos lugares que vendiam batatas fritas1 e waffles por um euro. Eram 21h e o sol estava se pondo enquanto eu chegava, sozinho, ao meu destino, depois de uma caminhada de uns cinco minutos.
Lá dentro, eu era provavelmente o único sozinho em uma mesa, enquanto grupos de amigos jantavam e tomavam suas cervejas. Além disso, eu também devia ser o único que não estava tomando uma cerveja, ainda. Meu pedido foi um lanche e uma Pepsi. Quando terminei de beber, pedi a um garçom, que não era o que estava me atendendo, uma outra Pepsi e prontamente ele me trouxe. Segundos depois, o Gilli, que era o garçom originalmente no comando, me trouxe mais uma. Ao ver que eu já tinha uma Pepsi na mesa, ele disse "fica tranquilo, é refil" e foi embora.
Mais alguns segundos depois, Gilli voltou com outro copo, dessa vez cheio de cerveja. Era uma Carlsberg, geladíssima que foi entregue por ele pra mim sob o anúncio de: "errei com você, me desculpa, essa é por conta da casa". Eu que não bebo, ia fazer o quê? Quando estaria na Bélgica, com um pint de Carlsberg gelada, na faixa, novamente? E como eu diria não pro cara que "errou comigo" e me presenteou com uma cerveja? Tomei tudo, para a frustração de 15 a cada 10 amigos meus que tentaram me fazer gostar de cerveja durante muitos anos.
Chocolate e mais chocolate em várias línguas
Na saída, com o relógio marcando mais de 23h, a noite já tomava conta de Bruxelas e a Grand Place estava lotada de gente. Além disso, os edifícios estavam todos iluminados e coloridos com cores do arco-íris. Voltei para o hotel e dormi para, no dia seguinte, descobrir andando pelas ruas que havia sido a noite do orgulho LGBTQIA+ na cidade, ao ver uma sinalização num ponto de ônibus dizendo que o transporte coletivo funcionaria após a meia-noite.
Meu itinerário no único dia inteiro que eu teria em Bruxelas era simples: conhecer o máximo de lojas de chocolate que eu pudesse, claro, de forma estratégica, tentando aprender o máximo que dava. A mesma Grand Place, colorida na noite anterior, agora tinha um sol brilhante e muitos turistas na manhã de domingo. Edifícios medievais dividem espaço com bares, cervejarias e elas, as lojas de chocolate.
A cada três lojas, uma era de chocolate. E, andando em uma das ruas em direção ao Manneken Pis, a estátua belga do mascote do Botafogo do RJ, a cada cinco lojas, pelo menos duas eram de chocolate, uma de waffles e outras duas de cerveja. Eu tinha, inclusive, uma missão, ali. Um amigo havia me pedido para comprar uma cerveja belga, mas não uma qualquer. O nome deveria ser o mais impronunciável possível, mas ainda era muito cedo pra comprar cerveja.
Não digo o mesmo sobre chocolates. Entrei em lojas da Neuhaus, Godiva, Pierre Marcolini, Leonidas e várias outras. Além, claro, da variedade dos chocolates e da beleza das lojas em si, o que mais me chamava atenção ali era o quão turístico aquela atmosfera das lojas era. Todos os atendentes, em todas essas lojas, possuíam um crachá identificador com o próprio nome e, um pouco mais abaixo, bandeirinhas que representavam os idiomas que cada um falava.
Assim como na França, eram muitos os turistas asiáticos e a Bélgica estava preparado para eles todos. Tinha vendedor que falava chinês, japonês e coreano, além de outros tantos que falavam inglês, espanhol, alemão, italiano e, claro, os dois idiomas tradicionais do país, francês e holandês (que, em Bruxelas, aliás, figuram em todas as placas de trânsito, inclusive). Idiomas, obviamente, distribuídos entre os diferentes funcionários das lojas.
Eu tentava sempre me comunicar em francês como primeira opção e, na maioria das vezes, dava certo. No hotel, os funcionários eram um pouco mais impacientes, mas nas lojas todo mundo agia com bastante cortesia. Só que provavelmente pelo fato de os belgas falarem todos os idiomas do mundo, ninguém achava curioso um turista chegar falando francês, como aconteceu em Paris.
Almocei na Place du Grand Sablon, perto da Grand Place, numa hamburgueria temática do belga mais famoso do mundo antes da grande geração belga de futebol, o Tintin. De sobremesa, macarons da La Durée. Pra fazer a digestão, uma caminhada no fantástico Museu dos Instrumentos Musicais. Na entrada, o visitante recebe (pelo menos recebia, em 2015) uma espécie de smartphone e fones de ouvido. Conforme se anda pelo museu, ao parar na frente de cada instrumento, o aparelho pode executar sons de cada um deles, do Theremin ao Lute com 14 cordas. Entrei para conhecer, fiquei duas horas lá dentro e comprei o único souvenir que podia: uma caneta, por cinco euros.
Trappist Westvleteren
Passei no hotel, deixei as compras chocolatísticas por lá e voltei pra rua. Neste momento, se eu tivesse conseguido comprar ingressos a tempo, estaria indo ao Lotto Park, estádio do Anderlecht, para assistir ao clássico local contra o Standard Liège. Como estava tudo esgotado quando procurei, não deu certo e eu me contentaria em voltar de lá com uma camiseta de time local ou da seleção belga. Peguei um metrô em direção a um bairro comercial e, bem, era domingo. Parecia um pouco com a rua João Cachoeira, no Itaim, em São Paulo, mas, como dizem os Titãs, tudo estava fechado.
Voltei para o metrô e meu novo objetivo era conhecer o Atomium que, assim como a Torre Eiffel, era pra ter sido uma construção temporária e que acabou não sendo e está no lugar até hoje. Ao entrar novamente no metrô e tentar passar pela catraca, fui surpreendido quando a dita cuja sugou o meu bilhete e eu fiquei preso após provavelmente ter errado a plataforma em que eu deveria estar. Novamente, era domingo e não tinha uma alma que pudesse ajudar na estação. Apertei o botão da catraca de falar com a central, disse que estava preso e, milagrosamente, ela abriu. Logo depois, descobri que eu tinha comprado um bilhete múltiplo de dois e que o crédito dele, pasme, era de duas viagens.
No Atomium, me rendi ao waffle de 1 euro, que lá custava 3 euros e não tinha nenhuma outra cobertura a não ser chocolate - na Bélgica, todo chocolate é chocolate belga. Eram quase 20h e o sol começava a ensaiar se por, quando eu lembrei de minha missão: comprar uma cerveja de nome impronunciável.
Corri de volta para o metrô de volta à região da Grand Place. Entrei, então, em uma das lojas cheias de cervejas artesanais, provavelmente faltando alguns minutos para que o comércio fechasse - os bares iam longe, mas as cervejarias, não. Em francês, contei ao vendedor que estava em uma missão. Ele riu e eu contei: preciso de uma cerveja local, mas que tenha um nome impronunciável. Ele riu de novo e, prontamente, já indicou: "claro, temos a Trappist Westvleteren." Ao ler a sopa de letrinhas na tampa (porque as garrafas não tinham rótulo), não hesitei e as comprei.
A caminhada domingueira foi cansativa o suficiente pra eu encostar no restaurante mais perto dali para jantar e não lembrar o que comi. Só sei que era algo com batatas fritas. Eu precisava voltar para o hotel e dormir. Tinha que ir para o aeroporto de madrugada para seguir viagem. O voo ia de Bruxelas a Amsterdã e de lá para Praga. Mas o encontro com a terra da cerveja fica pra semana que vem (espero!).
Beijos de luz e até a próxima,
Luigi"
A minha maior curiosidade da vida é que as batatas fritas, em inglês, são french fries. Mas a Bélgica que é a terra da batata frita e não a França. Não cometi a audácia de pedir “french fries” em Bruxelas - até porque, lá, são “belgian frites”.