Contos Europeus, parte 4: Karlův Most, trdelník e Malostranská
Muito mais encontros consonantais do que a língua humana pode pronunciar
Chegamos ao quarto capítulo da primeira saga de Contos Europeus. Primeira, sim, porque esses cinco (já falando que o próximo é o último desta saga) textos se referem à minha passagem pelo velho continente em 2015 e eu estive lá novamente em 2018. Mas isso é assunto pra outro momento. Fiquemos em 2015, portanto. Então, aproveita, dá o play nessa versão maravilhosa de Under the Bridge, do Red Hot Chili Peppers (já que tem uma ponte-protagonista nesse texto), e vamos embarcar no voo da Czech Airlines, porque Praga é logo ali.
(Parênteses rápidos entre parênteses: espero que você se lembre da "aula de tcheco", dada por aqui pra pronunciar em voz alta todos os nomes na língua que eu vou escrever aqui. Se você não lembra ou nāo leu o post, invista seu tempo nele e volte pra ler este na sequência. Praga sempre foi um dos lugares que eu mais sonhei conhecer na vida e, cá estou - ou lá estava - eu. Então, vai ter muita paixão nesse texto, pode ter certeza.)
Dobrý Den!
A ponte aérea de Bruxelas até Amsterdã durou meia hora e mal deu tempo de dormir. Não quis comprar nada no aeroporto holandês, pois meu voo de volta para o Brasil passaria novamente por lá. Andei (e muito) até chegar ao terminal onde estava o avião da gloriosa Czech Airlines, que me levaria a Praga. "Dobrý den!", eu ouvi (e repeti) para a tripulação ao entrar. Sentei-me na apertadíssima e quase não reclinável poltrona, pedi uma água e dormi logo que o avião decolou. Afinal, tinha acordado muito cedo. Antes disso, ao ouvir as palavras do comandante, tive um gostinho do que seria passar alguns dias vivendo em tcheco: eu sabia pronunciar as palavras, mas obviamente não dava pra entender nada além do tal dobrý den (bom dia) enquanto os locais conversavam.
Aterrissei no aeroporto Václav Havel e logo senti a atmosfera da Copa do Mundo de Hockey, que tinha tido sua grande final no domingo anterior na O2 Arena1, enquanto eu estava em Bruxelas. Por um dia, perdi a chance de assistir à grande final entre Canadá e Rússia na praça central de Praga. Foi a edição do torneio com o maior público presente em todos os tempos e eu quase fiz parte da festa nas ruas - só vi a estrutura de telões sendo desmontada, mesmo.
Meu táxi do aeroporto até o hotel foi um carro da marca Škoda, que eu conhecia apenas das cartinhas de Super Trunfo (saudades). Eu estava encantado com o acento circunflexo ao contrário da marca e com todas as placas absolutamente impossíveis de serem entendidas no caminho até a região central de Praga. O Central Hotel (nome bastante criativo, inclusive) ficava há poucos metros da estação Náměsti Republiky e do shopping Palladium, que foi onde fui almoçar.
Como bom profissional de marketing que sou, gosto de conhecer supermercados e shoppings dos lugares que visito, ver produtos exóticos, lojas que não conheço e marcas que existem por aqui, mas são diferentes por lá. Por exemplo, a Kibon, na República Tcheca, se chama Algida2. Comi um frango à milanesa com purê de batatas, que estava bem bom, em um restaurante local do shopping. Naquele momento, eu não queria ir ao McDonald's, coisa que fiz em algum outro dia - e é algo também interessante, pra conhecer o que tem de típico em cada país.
Ainda no shopping, achei uma loja de esportes bem grande, que parecia uma Centauro local. Como a Copa do Mundo de Hockey havia acabado de terminar, muitas coisas da seleção local estavam à venda e eu me animei com a ideia de comprar alguma coisa, mas escolhi deixar para depois. Afinal, aquele seria o único dia que eu tinha para conhecer a cidade.
Saí do shopping, vi um poste com várias plaquinhas indicando direções de atrações turísticas próximas. Dentre elas, a tão desejada Torre do Relógio, o Pražský Orloj. As plaquinhas mostravam, ainda, indicações de Staré Město (cidade velha), Nové Město (cidade nova) e Malá Strána (bairro pequeno) e eu logo passaria por todos esses bairros. Num primeiro momento, escolhi a direção do relógio e fui.
Staré Město
Foi o primeiro encontro mágico que aconteceu em Praga. Eu já tinha trocado alguns euros por Korunas, comprei os ingressos (não lembro o preço) e subi. O Orloj não tem só as horas, mas por ser um relógio astronômico, ainda mostra posições relativas do sol, da lua, de constelações e até outros planetas. Além disso, o velho senhor de 600 anos de idade, reza a lenda, tem o sangue, literalmente, de seu criador. Mikuláš z Kadaně teria se suicidado dentro do relógio, após ter tido seus olhos queimados por autoridades de Praga que não queriam que outras cidades tivessem obras como a dele.
A vista do relógio era para a praça central, a Staromětské náměstí, onde muitos turistas dividiam o espaço com a equipe que desmontava o aparato de transmissão da Copa do Mundo de Hockey. Quando desci, me deparei com mais plaquinhas de sinalização para atrações turísticas e escolhi a ponte Carlos, Karlův Most, que era meu desejo maior de conhecer.
Muitas ruas estreitas e muitos paralelepípedos depois, cheguei. O que senti ao subir na ponte foi indescritível, mas farei o meu melhor pra tentar explicar. Parei, observei o rio Vltava, as lindas estátuas na ponte, aquele monte de turistas, vendedores ambulantes e ao mesmo tempo, tudo o que eu ouvia era um ensurdecedor silêncio. Tudo o que eu sentia era uma paz interior inacreditável e uma plenitude que o meu eu de 17 anos sonhava, mas não imaginava que realmente fosse acontecer.
Tirei selfies, tirei fotos do rio, tirei fotos das belas construções ao redor dele. E uma dessas várias fotos é meu papel de parede até hoje - e ilustrou o post #18 dessa newsletter, o primeiro dessa saga de Contos Europeus. Foi um encontro, provavelmente, de menos de 20 minutos com a Karlův Most, que gerou sensações difíceis de serem descritas, mas que me marcaram para sempre. E eu ainda comprei uma ponte de miniatura depois, que está na sala de casa.
De antes da ponte, já dava pra ver o Castelo de Praga, Pražský Hrad. E, claro, eu pensei o que qualquer pessoa sensata pensaria: se eu consigo ver daqui, consigo chegar nele andando. E, pra provar que eu não tinha aprendido nada com ter tentado chegar à Torre Eiffel em Paris desse mesmo jeito, eu obviamente repeti o feito e simplesmente saí andando em direção ao castelo, depois de cruzar a ponte.
Malá Strána
Vi uma Praga diferente da ponte pra lá. O bairro de Malá Strána não tem o mesmo glamour da cidade velha, mas tem seu charme. Várias banquinhas na rua (que se assemelham mais a bancas de jornal do que a carrinhos de cachorro quente) vendendo o equivalente tcheco ao waffle de 1 euro belga: o trdelník, popularmente conhecido como trdlo - ambos nomes fáceis de se pronunciar, como você pode perceber.
O castelo parecia estar perto, mas, a cada passo meu, parecia que ele andava em direção oposta, fazendo um moonwalk em direção aos céus. Essa sensação só piorou quando cheguei à escadaria que dá acesso a ele. Vi muitas pessoas descendo, mas só eu subia. E subia, e subia. Foi o único dia de sol em Praga durante minha estadia em terras tchecas e fazia uma temperatura agradável para todos aqueles que não estavam subindo escadas naquele momento.
Quando finalmente cheguei, claro, me deparei com o Castelo - só que ainda restavam alguns metros pra chegar no dito cujo. Antes dele, um Starbucks, que foi a loja melhor posicionada que vi na vida. Não teve como: precisei entrar, tomar uma bebida gelada e, de quebra, tive que, eu mesmo, escrever meu nome no copo, já que a moça não conseguia entender de maneira alguma que meu nome era Luiz, com Z, ainda por cima. Em tcheco, a simples letra Z pode ser uma preposição que representa o equivalente a "de" ou "of", em inglês, e isso deve ter dado um nó na cabeça da garota. Segui, então, com a caminhada, depois de já ter apreciado um pedacinho da vista do topo da colina.
O Castelo de Praga tem uma arquitetura Gótica, com direito a gárgulas e uma beleza impressionante (pelo menos por fora) da Catedral de St. Vitus. Guardas em posição de guarda (er), completamente parados. Grupos de turistas tirando suas fotos e atrapalhando as minhas. Uma vista impressionante lá de cima, que me possibilitou ver tudo o que eu tinha andado até ali e como Praga era, de fato, um lugar inacreditavelmente bonito. Eu não contratei nenhum guia para me explicar o lugar, o que deve completar incrivelmente a experiência, mas não deu, por motivos de: sem tempo (e sem dinheiro), irmão.
Dei a volta no Castelo inteiro e, como tudo que sobe, desce, cheguei às escadarias do outro lado do terreno e desci. Já de volta em Malá Strána, decidi me premiar pela aventura, com a melhor recompensa possível ali no momento. Encostei na banca de trdelník e pedi um, puro, e uma água. Não me recordo se tinha edições com recheio, mas quis ser raiz. Tinha gosto de pretzel, com açúcar e canela, e estava bem gostoso.
Estava com as energias recarregadas, mas não tinha a menor condição de voltar o caminho todo a pé, como fiz na ida. Foi então que o menino Jesus de Praga inseriu a estação Malostranská bem na minha frente e foi o meu primeiro (de muitos) encontros com o metrô de Praga durante os dias na cidade. Apenas três linhas formam o vasto mapa, do transporte que foi minha locomoção principal além das pernas.
Voltei para o hotel e tive notícias de que tinham mais brasileiros na cidade, também para o Engage Prague, assim como eu. Nos encontramos num bar tipicamente tcheco, chamado La Bodeguita del Medio e todos ficaram chocados pelo fato de eu não gostar de cerveja, justamente na terra onde a cerveja só não sai da torneira. E fim da linha no primeiro dia. Na semana que vem, o fim dessa saga em Praga, com a parte mais profissional da viagem: palestras, workshops, trabalhos em grupo, muito rolê de metrô e uma visita a um cara que não respondia meus e-mails e eu fui na casa dele mesmo assim.
Mas isso tudo é papo pra semana que vem.
Beijos de luz e até a próxima,
Luigi"
Guarde esse nome para quando estivermos em 2018, na segunda saga europeia.
Vi no Wikipedia que a Kibon agora, aparentemente, é Eskimo por lá. Em 2015, era Algida (eu tirei até uma foto, pois achei curioso). Pode ter sido como a Nestlé sorvetes que, nos anos 1990 no Brasil, era a gloriosa Yopa. Saudades demais, Yopa.