Tempestade de Ideias: fazer mais com menos é bom?
Já é quase 2022, vamos para quase dois anos de pandemia e ainda recebemos cobrança para produzirmos mais, com menos. Até quando?
Tudo começou em um brainstorm comigo mesmo há meses atrás e virou esse textão, que vai ser o último de 2021, apesar de não ter lá muita cara de fim de ano, com resoluções e promessas, mas tá tudo certo. Dá o play e vem comigo.
Dinheiro na mão é vendaval
Muita ideia na cabeça é quase a mesma coisa que nenhuma ideia. Esse pode ser um pensamento bastante polêmico, principalmente no Brasil de 2021. Vivemos num ecossistema de startups que vem e vão, IPOs, unicórnios, transformação digital e muita velocidade. Growth hacking passou de um termo desconhecido para algo quase obrigatório por aí. Ideia que vira teste atrás de teste, aplicação a partir do resultado de testes que geram mais ideias e um ciclo sem fim. Mas, peraí, ideia não era sinônimo de criatividade? Há até pouco tempo atrás (e tem quem diga que isso ainda vale), ser um profissional de marketing era associado ao estereótipo de quem pensa com o lado direito do cérebro, para os mais elegantes, e de maconheiro e pessoa que só vive em festas e farra1, para os menos.
Ter uma ideia pode parecer ser algo simples e, por várias vezes na vida, eu ouvi: "tenha uma ideia, você não é um cara criativo?". E a vontade sempre foi (e em algumas vezes eu realmente o fiz) de dizer "epa, pera lá, muita calma, ladrão". Entre a idealização de algo no nosso âmago e a execução por nossas mãos existe um abismo enorme, que, na maior parte do tempo, é onde a maioria das ideias cai. É, meu amigo, vim aqui hoje pra fazer uma revelação: nem tudo são flores e, pra ser criativo, é preciso, dentre várias coisas, espaço, tempo e um pouco de prática.
Colocar num papel, pra fugir do limbo, já é um primeiro passo. Quem nunca teve, por exemplo, uma ideia enquanto tomava banho ou escovava os dentes? E dirigindo? - eu mesmo tive e ela se chama "Isso merece um post"2 Bom, é em momentos em que a gente faz essas atividades automáticas, sem exigir tanto do nosso cérebro, que muitas boas ideias surgem. E, com a mesma velocidade que elas vêm, se vão. “Dinheiro na mão é vendaval”, dizia a novela Pecado Capital, da Globo, e muita ideia na cabeça, pasme, também é.
Como bom assinante que sou, li na newsletter do Boa Noite Internet, do Cris Dias, sobre isso e é a mais pura verdade: nossas ideias são “sementes de uma coisa que pode ser incrível, mas pra isso precisa sair, ser regada, trabalhada, cuidada”. Ter ideias é maravilhoso. Eu, particularmente, adoro o ato de "planejar o ano que vem”, no mundo corporativo, por exemplo. É a hora de viajar, pensar nas loucuras\\, nas conexões que a marca pode ter, que ações vão ser legais, quais caminhos vamos poder seguir etc e tal. Vem tanta coisa na cabeça que, na hora de transmitir isso, a mão de inserir slide chega a coçar a cada segundo e precisa rolar aquele autocontrole pra não acontecer uma apresentação de 150 slides.
Continua sendo difícil, ainda assim. Como filtrar? Como saber o que vai dar certo ou não? Aí não mais falando só do mundo corporativo, mas, na nossa vida, pra que lados a gente pode andar sem ter medo de cair? E pra quais outros lados a gente também pode andar, mas sabendo que existe o risco da queda? Fatalmente, acabamos por cair em uma análise custo x benefício x tempo necessário a se investir. E, escolhas feitas, vem uma nova etapa: executar.
Como fazer pra tirar as ideias do papel? Por onde começar? Não saímos do berço (ou mesmo da escola) com ensinamentos de gestão de projetos na cabeça pra cronogramar as nossas vidas, fazer matrizes de prioridade e definir responsáveis e entregáveis provenientes dos nossos sonhos. Muito pelo contrário, em 99% dos casos (fonte: minha cabeça), como bons brasileiros que somos, a frase que vem na cabeça é “só vai”. E depois a gente vê o que acontece.
Não conheço alguma expressão que seja equivalente a “consertar o avião em pleno voo” em outra língua. Pelo menos não com um significado tão literal, quanto em português. Colocamos os aviões pra voar antes de ficarem prontos e a dinâmica do mercado, e das nossas vidas, muitas vezes nem permite que seja diferente. A demanda X atropela a demanda Y, que desprioriza a demanda Z e que, por sua vez, ainda é menos importante que a demanda W. Cada uma dessas demandas naturalmente gera (ou precisa gerar) uma ou mais ideias de resolução, de execução. E, de novo, muita ideia na mão, é vendaval. Acabamos com as quatro demandas na lista de pendências e nada posto em prática.
Não existe fazer mais com menos
Lembra que lá no começo do texto eu disse que tinha uma revelação? Então, na verdade eram duas e essa é a segunda: não existe fazer mais com menos. Calma aí, respira um pouco, digere esse momento e vem comigo.
Essa é mais uma das coisas que o mundo startupeiro e unicórnico nos trouxe. Não que seja culpa especificamente das startups, mas, entendo, mais de quem tenta viver como startup em uma realidade, pra dizer o mínimo, diferente. É o equivalente a querer fazer um caminhão carregado ter a velocidade de um fórmula 1, mas sem mexer em nada da engenharia e da aerodinâmica dele. "Vamos simplesmente pisar no acelerador e chegar lá."
Claro que neste caminho existem diversas intercorrências. A primeira delas é a própria mentalidade que não muda: vamos chegar lá sem fazer nada de diferente, sem mexer em nenhum processo interno, ou sem levantar (tanto) a bunda da cadeira. A segunda é que isso precisa custar o mínimo possível e, de preferência, esse valor seja menor ou igual a zero. A terceira é que quem vai fazer isso são vocês que estão aí, em nome da oportunidade de crescimento que existe aqui na mesa. A quarta é que isso precisa ser feito com velocidade, porque a concorrência tá lá, trabalhando, e a gente não pode ficar aqui de bobeira. E a quinta e última é que todo o restante do dia a dia não pode parar, não, viu? Vamos fazendo em paralelo.
Então, vamos à pergunta do milhão: vamos fazer mais com menos?
Eu tenho pânico dessa frase. Já ouvi em diversos momentos agradáveis, como de corte de orçamento, mudança no briefing após o projeto estar pronto, demissão em massa ou identificação de uma necessidade urgente que, até minutos atrás, não existia. Ouvir esse tipo de coisa, em situações assim é algo que o cérebro entende como "mas, peraí, quer dizer que tudo o que fizemos até aqui não valeu de nada ou não foi o suficiente?" e, complementando, "além de não ter feito o bastante, agora vou ter que fazer mais ainda... com menos?"
É isso mesmo, cara pálida. Você tá junto ou vai abandonar o navio?
Em meio a tudo isso, ainda tem o famoso medo da folha em branco, que não facilita as coisas. Quem nunca ficou com uma gigantesca interrogação na cabeça ao ouvir, numa aula de artes na escola, que a atividade do dia era de tema livre? "Me peça pra reproduzir o teto da Capela Sistina, mas não me dê uma folha totalmente em branco", pensava o eu-adolescente. Provavelmente, o eu-criança gostasse mais de folhas em branco. Talvez tivesse mais imaginação e menos pressão sobre si pra simplesmente tirar uma nota boa.
E o eu-adulto? A "folha em branco" a essa altura da vida, aparece todos os dias e não é porque eu escrevo, não. Aparece no trabalho, na hora de escolher uma série pra assistir, no momento da brincadeira com as crianças, na indecisão de "o que pedir no iFood hoje?" e, claro, também no ato de colocar e tirar as ideias do papel.
Estamos cercado de pautas, de possibilidades e de cases de marketing. Todos os dias, alguma marca emplaca uma campanha, um post nas redes sociais, uma matéria na imprensa ou um filme no intervalo da novela das 9. Cada pecinha desse quebra-cabeça midiático aumenta a pressão (que, muitas vezes nós mesmos colocamos) sobre nós mesmos. "Por que não é a minha marca que está ali? O que eu preciso fazer pra aparecer assim? Que tipo de ideia eu preciso ter?"
E, além disso, lidar com todo esse turbilhão ao nosso redor, "com menos".
Menos tempo, menos recurso, menos espaço e menos tempo de prática. E a folha em branco deixa de ser uma cartolina pra tornar-se um post-it, dos pequenininhos. Mas a pressão é pra gente escrever uma história que caiba em uma cartolina mesmo, na velocidade de um fórmula 1, não de um caminhão carregado.
Na "indústria de produção de ideias" nem tudo são flores e, pra ser criativo, é preciso, dentre várias coisas, espaço, tempo e um pouco de prática. Por outro lado, vem a cobrança para o "fazer mais com menos". Ganha o executivo, ganha a empresa, perde a nossa mente. Por mais tentadora que a oportunidade possa aparecer e que a gente tire motivação do nosso mais profundo íntimo, não é fácil.
2021 vem chegando ao seu final e se já não aguentamos mais não aguentar mais, o quão difícil é ouvir alguém dizer que precisamos fazer mais com menos, a essa altura do campeonato? Qual é o problema de "fazer o melhor que podemos com o recurso e com o tempo que temos em mãos?". Não vou te dizer pra pedir as contas e sair fora, até porque todos temos os famosos boletos que, esses sim, não nos deixam nunca. Mas pratique esse exercício: fazer o melhor que puder, com o recurso e com o tempo que tiver em mãos. Sem necessidade de milhões de ideias e milhões de Pascais de pressão.
Feliz ano novo e que 2022 seja leve. Repleto de boas ideias, mais oportunidades boas do que pressão desnecessária e mais realizações do que frustrações. Faça sempre o melhor que puder, com o recurso que tiver em mãos.
Beijos de luz e até a próxima (que será só em 2022),
Luigi"
Tem um episódio do brilhante podcast Naruhodo que fala sobre usarmos 10% do nosso cérebro e sobre o fato de usarmos um lado para atividades mais lógicas e o outro para atividades mais lúdicas - e que isso não passa de um mito. Por outro lado, já ouvi um gestor de RH chegar em um auditório com toda a diretoria de marketing da empresa falando “é aqui que está a turma da maconha“?
Se você tá chegando agora, ou ainda não leu a primeira edição, aqui está ela. Lá, eu conto sobre a criação da newsletter e a origem do nome dela. E que tudo isso nasceu enquanto eu dirigia, depois de sair putaço do mercado.