A mão invisível do (super)mercado
Fui às compras, passei em Portugal, nos anos 2000 e aterrissei aqui, no texto que inaugura essa newsletter.
Ao digitar a frase "um vídeo antigo na Internet" me dei conta do quanto a gente já viveu nesse mundão virtual. Mas isso certamente já é um tema pra outro texto.
LOL muito antes de League of Legends
Em um vídeo lá dos anos 2000 na Internet, o português Filipe Homem Fonseca interpreta Daniel Matos, que é um "blogodependente". Ao dar uma entrevista em um programa de televisão, o blogueiro, acostumado a comunicar-se pelo blog, responde às perguntas por meio de posts e até dá risada "em linguagem blogosfera", que é LOL - muito antes de LOL ser League of Legends.
A frase de Daniel, "isso merece um post", marca o fato de ele se comunicar por escrito - provavelmente melhor do que falando, de maneira que ele cria de 50 a 60 posts por dia. Claro, estamos falando de uma esquete e, portanto, não real, mas é um vídeo que volta e meia aparece na minha cabeça - imaginem os meus bonequinhos do Divertidamente caçando esse vídeo nas prateleiras de lembranças aleatórias.
Em particular, o "já desabafei" do Daniel Matos me veio à mente agora justamente num momento em que eu quero praticar, muito mais, minha escrita criativa, em ocasiões aleatórias, como esta. Já fiz muito isso num passado (mais ou menos na época do vídeo, lá seus anos 2000 e tantos), de maneira que um amigo meu falava que eu precisava andar com papel e caneta no bolso.
Elementos (e aplicativos) verdes
Não existia Evernote e muito menos smartphone - o primeiro iPhone é de 2007, então o negócio era essa antiguidade mesmo: papel e caneta. Eu tinha, de fato, um caderno verde e uma caneta. Era ali que eu escrevia meus textos aleatórios, crônicas, frases soltas, contos e situações do dia a dia. Eu nunca sabia quando viria esse momento de passar algo pro papel e podia ser tão repentino quanto numa madrugada de insônia, como acontecera algumas vezes, ou numa tarde monótona.
A inspiração maior pra fazer isso veio do livro “Neve1”, do turco Orhan Pamuk, que eu li na época, e foi vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2006. O protagonista, Ka, é um personagem tímido e recluso que, ao se ver preso em uma pequena cidade atingida por uma nevasca, passa a escrever seus poemas num caderno, claro, verde, conforme vive conflitos étnicos, políticos e religiosos - parei pra não dar spoiler nenhum.
(parênteses rápidos, entre parênteses: não sei como Neve não virou um filme ainda. Talvez até tenha virado, mas eu não fiquei sabendo. Fato é: escrever esse parágrafo já me deu vontade de reler o livro, certamente com outra cabeça em relação ao meu eu de 2006).
Em um dia desses, enquanto eu dirigia, me veio um estalo: preciso escrever. Estava na estrada e não tinha tempo (e nem lugar) para encostar o carro e rascunhar alguma coisa no companheiro Evernote. Resolvi, então, falar comigo mesmo por áudio. E aqui vai um lifehack que todo mundo precisa fazer2: você tem um grupo no WhatsApp com você mesmo? Pela praticidade de estar com o app aberto o tempo inteiro, em vez de registrar em lugar X ou lugar Y alguma coisa importante, ou simplesmente pra trocar arquivos entre computador e celular usando a versão Web, isso é bastante útil. Então, por meio do grupo com meu eu-lírico, comecei a falar. Esse texto inteiro é quase que uma transcrição dessa conversa e pode ser que outras edições dessa newsletter nasçam assim, mas também pode ser que não.
Putaço
Enfim, eu estava voltando do mercado, após aquele gostoso momento chamado de "compra do mês". Esposa trabalhando, crianças na escola, então fui, sozinho, cumprir essa tarefa tão árdua, especialmente no Brasil de 2021 - obrigado, Paulo Guedes!. Comprei todos os itens que precisava, mas não os que queria. Já há um tempo, "optamos" (e quem não optou, não é mesmo?) por comprar marcas mais baratas pra preservar o orçamento de casa, mas ainda assim, saí de lá putaço.
O supermercado usa sua mão invisível e coloca na gôndola os produtos que precisa vender: mais caros, pois precisa vender para desovar, e mais baratos, provavelmente também porque precisa... desovar, certo? De qualquer maneira, acabamos por levar produtos de marcas que talvez não estejamos acostumados a comprar, seja porque é o que o mercado empurra pra gente, seja porque é o que tem ali e precisamos daquilo.
O "comprar diferente" estaria ok. Se fosse apenas pelas marcas, eu ficaria só puto, mas ao pagar a conta no caixa, eu fiquei putaço.
Mudar o local de fazer as compras vai resolver? Já mudamos.
Comprar marcas mais baratas vai resolver? Já estamos comprando.
Dessa vez, nem todos os produtos estavam disponíveis com as marcas mais baratas - e, reconheço, obrigado, universo, por me permitir comprar o que foi mais caro em vez de simplesmente não ter comprado, como é a realidade de muito mais gente Brasil afora.
Saí do mercado, como Daniel Matos, desabafando. Não em posts de blog (até então), mas pra coitada da minha esposa, que ficou lendo minhas lamentações e lamúrias no WhatsApp. Xingando preços, xingando a falta de opção ao comprar alguns itens e até o fato de não ter caixa de papelão pra organizar as compras no carro.
Mas, mais do que sentir a necessidade de escrever, e praticar nesse exercício que você está lendo agora, eu tenho manifestado meus sentimentos também de outra maneira nos últimos anos: criando playlists. E, graças ao Spotify (app que critico muito mais do que elogio, diga-se, mas isso é outra conversa), consigo salvar playlists criadas por mim e tenho um banco até que grande.
São playlists temáticas, como músicas com saxofone, músicas para relaxar, ou músicas com 10+ minutos de duração. E momentos, como quando ficamos por três dias sem água em casa (sim, aconteceu), Eleições 2018 e Quarentena3. Os nomes, claro, fazem parte da elaboração das playlists e o meu mais novo lançamento, como não poderia deixar de ser, é a masterpiece "Putaço no mercado".
A ideia veio logo que eu saí do WhatsApp e saí dirigindo o carro pra voltar pra casa: “por que não imortalizar esse momento numa playlist?” O nome veio rapidamente, ao lembrar de uma conversa com meu irmão há uns dias antes, quando falamos sobre a banda Dead Fish, que ele brilhantemente disse que eles têm “músicas pra ouvir quando se está putaço”. Claro, minha sequência, então, começa com Dead Fish e segue com 20+ músicas. Depois me diz o que achou!
O meu canal
Fiz um texto no LinkedIn falando sobre "não escrever pelos likes, mas precisar deles pra ser conhecido", por conta de algo chamado algoritmo. Esse dito cujo, praticamente uma ANEEL4 das redes sociais, regulando tudo o que a gente vê. Jogar o jogo dele é complicado, mas como ele é, também, o dono da bola, não dá pra não deixar ele participar das partidas.
A questão é: muitos "escritores" (que podem ser realmente escritores, ou só entre aspas, como eu, pelo menos por enquanto) têm buscado outros canais que "independam" dos robôs algorítmicos das redes sociais, como podcasts, newsletters e sites próprios. Amo as três mídias, até tenho meu próprio site5, mas acho que o melhor jeito pra gente se comunicar, no agora, é, quem diria, a newsletter.
É natural que a onda de consumidores de conteúdo migre para canais diferentes, era após era e o Braincast até fez um episódio recente sobre a newsletter. E como 2020 finalmente foi o ano do podcast no Brasil, de verdade, já tem gente apostando que 2021 é o ano da newsletter. Em algum momento, talvez eu chegue em você por áudio, mas é uma mídia que dá trabalho de editar, então tá guardada na caixinha de ideias futuras por enquanto - mas, se você tem um podcast e quiser me chamar pra participar, tô na área!
E assim como o David Luiz só queria dar alegria pro povo brasileiro, por enquanto eu também só quero uma coisa: escrever.
Criar uma newsletter é um exercício meu em dois aspectos, a produção do conteúdo em si - que pode nascer para qualquer tema que mereça um post, desde idas ao mercado até palestras que eu veja em algum momento - e a frequência. Minha intenção é escrever semanalmente. Esse vai ser o meu canal pra isso e vamos ver no que dá.
Pode ser que em algum dia eu conte uma história da minha carreira. Em outro, algo da infância. Ou até mesmo algo que nem aconteceu efetivamente comigo. Posso falar sobre marketing, sobre futebol, sobre música, sobre algum joguinho, sobre paternidade, enfim. O importante é escrever. Ah, e também é importante você me contar se gostou, ou não.
Estava putaço, fiz uma playlist, resolvi escrever.
Não tô mais putaço, tenho uma playlist maneira e já desabafei6.
Beijos de luz e até a próxima,
Luigi"
Tá na mão: link pra comprar o livro | link pra ler no Kindle, se preferir.
Talvez você já tenha feito isso há muito tempo, mas eu só dei o braço a torcer há alguns meses, fazer o quê.
Anota aí: boas histórias pra serem contadas em edições futuras.
Ah, piadas do setor elétrico. A ANEEL é a Agência Nacional de Energia Elétrica, que é a entidade responsável por regular este mercado, controlar e fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões, as permissões e os serviços.
Acessa lá: https://luigiferreira.rocks
Praticamente sem falar de marketing, como deu pra perceber.