"Os melhores condimentos estão nos menores frascos – ou nem precisam de frascos, na verdade. Só dum tapete colorido, roupas maneiras e amor de sobra, todos os dias. Não existe receita perfeita, mas existe o sabor gostoso de chegar em casa todos os dias e ver o sorriso (então) banguela do ketchup e da mostarda, do melhor tempero da vida."
O texto entre aspas é meu mesmo, de quando postei a foto do título desse post no Instagram, originalmente há quatro anos atrás. Tudo segue sendo uma delícia, ainda bem, mas com alguns momentos, digamos, de mais difícil digestão. Dá o play na deliciosa "pratododia", do Teatro Mágico e vamos juntos.
Foi um dia bastante cheio no trabalho. Daquele com muitas reuniões e tarefas que consumiram mais tempo do que eu imaginava. Levantei da minha cadeira com mais de 100 e-mails parados na caixa de entrada e uma sensação de "puta merda, não trabalhei nada hoje", mas feliz. Peguei o carro e voltei pra casa. Um caminho de pouco mais de 60 quilômetros e, como boa parte dos meus podcasts favoritos estão em férias, me rendi à música e vim no ritmo dos anos 2000.
A seção "músicas curtidas" do meu Spotify só não é mais eclética porque o próprio app não facilita para que seja. As músicas que estão em playlists que eu montei, com temas dos mais aleatórios, não necessariamente estão todas curtidas e, portanto, não fazem parte da seleção geralzona. Pra fazê-las aparecerem lá, é bem "simples": só curtir uma por uma. De qualquer forma, quando eu estou em um momento de indecisão do que devo ouvir, é justamente pras tais músicas curtidas que eu apelo. E vem de (quase) tudo, de Raça Negra a Bruce Springsteen, de death metal a músicas de filmes da Disney.
Chego em casa com um sentimento de dever cumprido. Cansado, mentalmente exausto, janto enquanto as crianças assistem à maravilha da tecnologia de ter os desenhos que querem ver, na hora que ligam a TV, sem intervalos comerciais, chamada streaming. E eu que, quando criança, já achava o máximo o Cartoon Network passar desenhos 24 horas por dia, agora travo batalhas diárias com os dois pela hora de parar, seja pra jantar, seja pra tomar banho, ou pra dormir.
O momento de calmaria é interrompido por um pedido simples, uma atividade que acontece todos os dias: "gente, bora pro banho?"
E vem o caos.
A batalha pela hora de parar varia apenas pelo horário e pela ocasião: se já tomaram banho, a luta é para jantar. Se já jantaram, a luta é pelo banho. Se já tomaram banho e jantaram, a luta é para escovarem os dentes. Se já tomaram banho, jantaram e escovaram os dentes, a luta é simplesmente para irem dormir. Neste dia em particular, a batalha pelo banho foi tão intensa, que a Sofia parecia estar sendo torturada - e eu só queria que ela entrasse no chuveiro.
Ela gritou, chorou, esperneou, bagunçou todo o banheiro. Motivos aleatórios: não queria soltar o cabelo, depois queria que soltasse o cabelo, mas não me deixava encostar nela e por aí vai. Quando ela finalmente entendeu que estava com sono demais pra pensar ou raciocinar sozinha, se deixou ser acolhida, com abraço e carinho. Mas, pra eu mesmo chegar a essa conclusão, também precisei me acalmar.
Temos combinado por aqui, com Sofia e Joaquim, que as explosões de raiva não levam a nada - e Divertidamente nos ensinou isso: quando a Raivinha está no comando, vai dar merda e logo os outros bonequinhos vão precisar se unir pra pedir desculpas ou controlar minimamente a situação. Claro que por eles terem quatro anos de idade, nem todo combinado é tão facilmente cumprido, mas tentamos novamente, dia após dia e, por mais que nem sempre dê certo, se não tentarmos nada, certamente vai dar errado.
Outro momento que nos tem feito tentar muitas coisas diferentes é a hora da escola, já que a re-re-re-re-adaptação do Joaquim tem sido bastante desafiadora. Eles entraram na escolinha em 2020, veio a pandemia com as aulas online e, por serem pequenos à época, não valia a pena mantê-los matriculados. Veio 2021 e foi um ano inteiro de escola, com uma certa tranquilidade e muita segurança, por parte nossa e deles também. Vieram as férias de dezembro e uma mudança de rotina por um mês, que serviu pra bagunçar a cabecinha, principalmente do Joca.
Ele se dá bem na escola. Brinca, tem muitos amiguinhos, é querido pelas tias e "pega fogo" com os mais próximos. Ainda assim, o momento da separação (de deixar papai e/ou mamãe na porta da escola e entrar) é o que complica as coisas. São muitos "não quero", "não gosto", "me solta" e uma necessidade enorme nossa de compreensão desse momento, que, agora, já dura pouco mais de um mês. E seguimos tentando novos combinados a cada dia. Às vezes dá certo, às vezes, não.
A paternidade tem muito mais dias difíceis do que fáceis e nos convida todos os dias a aprendermos, na marra, tanto sobre nós mesmos quanto sobre as crianças e seus sentimentos. Se sem calma e paciência, não existe diálogo entre adultos, o que dirá com as crianças. Ainda assim, todos os dias em que eu recebo desenhos, papeis com os nomes deles escritos ou mesmo lembrancinhas aleatórias, como galhos de árvore, pedrinhas ou folhas secas fazem os dias "fáceis" valerem muito a pena.
Mesmo vivendo um dia de cada vez, não dá pra dizer que tudo é um mar de rosas. Até porque os tais dias fáceis não existem sem os difíceis. Alfa não existe sem ômega, Joaquim não existe sem Sofia e vice-versa. Cada um tem suas particularidades, necessidades e jeitinhos diferentes de levar as situações.
Os dois só tem quatro anos. Tem muito chão pela frente pra eles e pra gente. A vida de pai vai continuar se seguindo num ritmo mais eclético do que as músicas curtidas do meu Spotify. Com a calmaria de um Sigur Rós seguida pela barulheira de um som do Sepultura.
Dia após dia, minuto a minuto, criança a criança.
De grão em grão, como arroz e feijão, é feita a nossa felicidade.
Beijos e luz e até a próxima,
Luigi"
Já já dá pra publicar um livro de contos rápidos!